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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Texto do acadêmico Vando Roberto Baum

Ainda seguindo a proposta de comparar as representações da figura estereotipada do "gaúcho", o acadêmico Vando Roberto Baum escreveu o texto que segue abaixo.

Gaúcho grande do sul.
   Antes de tudo, cabe ao leitor saber que a análise que segue tem como intenção apenas fazer uma constatação imparcial acerca do gaúcho tipificado.
   Ao analisarmos o poema “Canto Campeiro”, de Apolinário Porto Alegre, e também a canção “Colorada”, de Mário Barbará Dornelles, podemos perceber muitos aspectos em comum, aspectos com relevante tom de patriotismo, ou então, regionalismo, dado o fato de que se trata de uma região
em questão e não de um país todo. Já nos primeiros versos do poema “Canto Campeiro”, constatamos a idéia de suprema coragem do povo em questão (gaúcho, ou dos campos do sul) em relação aos supostos inimigos: “Avante, ginete/Dos campos do sul!/Quem pode contigo,/Que, afeito ao perigo,/A sanha
do imigo/Não temes, taful?”
   A canção “Colorada” faz mais propriamente uma abordagem daquilo que teria sido a Revolução Farroupilha, feita num ímpeto que incita a apreciação de tal guerra. Há nesta canção, também, uma ideia de extremo enobrecimento ante ao conflito ao que a região se expusera, uma vez que não se percebe nela um sentimento de melancolia e tão pouco de pesar por causa da guerra.
   A canção nos dá indícios de como teriam sido alguns conflitos: “Olha a faca de bom corte, olha o medo na garganta/O talho certo e a morte no sangue que se levanta/Onde havia um lenço branco, brota um rubro de sol por/Se o lenço era colorado, o novo é da mesma cor.”
Em ambos os textos, temos a imagem de um gaúcho aguerrido, dominador das táticas de guerra, que de forma alguma se dobra ao sistema que o inimigo tenta impor. Trata-se de um homem disposto a tudo pela suposta pátria, um homem que vence a tudo e a todos, capaz até de doar a própria vida por sua terra e por seus interesses ou pelos interesses de seu povo.
   Cabe entendermos que é completamente louvável a ideia de se criar uma imagem de extrema positividade acerca do gaúcho. Uma vez falando de literatura, sabemos que ela é na sua essência, talvez, tão puramente ficção, e que é válido usá-la em prol de um povo ou de uma região, caso contrário, José de Alencar, por exemplo, não teria tal renome. Sabemos que o Rio Grande do Sul sofreu, de fato, com o desmazelo do governo central em relação ao seu maior bem de produção, o charque. O que vimos foi uma guerra que durou muitos anos, que dizimou muitas vidas. Os governantes daqui nadamais queriam a não ser reivindicar o que era nosso de direito, eis o motivo da revolução. Mas o fato de maior relevância, em se tratando dos dias de hoje, é que a guerra acabou, que os governantes não são mais os mesmos, ou seja, não há mais motivos para que o nosso estado ainda se sinta prejudicado e também não há mais motivos para que um heroísmo tolo seja representante de um povo.
   Há, ao longo do poema de Apolinário Porto Alegre, diversos trechos que fazem um chamamento ao gaúcho ou ao ginete, como está no poema: “Avante! Galopa/Num bom galopar;/Os laços e bolas./Ferinas pistolas/Já fiz preparar;/ Avante, ginete/Num bom galopar!” Ou então: “Não dorme o Rio Grande.../ Erguido de pé;/Quem pode vencê-lo?/Se sabem temê-lo/Capaz de retê-lo/No jugo, quem é!/Avante! Galopa...” O que podemos perceber destes versos, além da prepotência demasiada em relação a quem não faz parte do tal Rio Grande ou então além de mera apreciação da guerra, tola por sinal? E a canção de Mário Barbará segue relatando a guerra numa linguagem que permite certa aproximação com o gaúcho deveras enraizado: “Era no tempo das revolução,/Das guerra braba, de irmão contra irmão./Dos lenço branco contra os lenço colorado,/Dos mercenário contratado a patacão./Era no tempo que os morto votavam/E governavam os vivo até nas eleição...” Ou então: “Era no tempo do inimigo não se poupa/Prisioneiro era defunto e se não fosse era exceção./Botavam nele a gravata colorada/Que era o nome da degola nestes tempos de leão.”
    Do ponto de vista literário, pode-se dizer que é sim aceitável essa espécie de mistificação do gaúcho e também da sua imagem, mas ao trazermos para nossa realidade percebemos que não passa apenas de uma identidade utópica, de uma apreciação sonhadora, de uma imagem que de forma alguma deve condizer com a nossa atualidade. A arte não necessariamente tem de retratar a realidade. Não se deve pensar em hipótese
alguma que determinado povo pode ser considerado melhor ou pior que outro. O povo gaúcho, por sinal, não se diferencia internamente do restante do Brasil, a realidade gaúcha é a mesma que o restante do país, também as necessidades e certamente as futilidades. Pensemos da seguinte forma: se todos os homens fossem como o gaúcho retratado nas canções tradicionalistas e também em alguns poemas, teríamos um estado muito mais enrijecido do que já é, um estado extremamente machista e preconceituoso em relação ao resto do Brasil. Sejamos francos, em tempos de globalização não é o separatismo o que queremos, mas sim uma idéia de unidade e de um fortalecimento econômico comum.
   O grande problema do tradicionalismo é quando se esquece que ele é apenas folclore, que ele é apenas uma forma de identidade muito apreciável e que nos remete ao nosso passado. Apreciar a guerra é apreciar a violência. Cabe ao gaúcho ser o tipo culto que diz ser, respeitando todas as formas de pensamento e rejeitando todo tipo de conservadorismo, pois um povo que não vislumbra o futuro acaba por ser escravo da inflexibilidade do passado. O jeitinho brasileiro também se estende aos pampas, fazendo com que o gaúcho não passe apenas de mais um personagem neste enredo sem fim. Que o gaúcho de pouca visão acerca daquilo que se pode considerar uma convivência estável, que o gaúcho tirano e autoritário, seja do passado ou dos dias de hoje, que o gaúcho animalesco, cujos hábitos fazem a sua imagem deplorável, que o gaúcho apreciador do genocídio e de suas causas desalmadas, que o gaúcho incapaz de aceitar as diferenças, que esse tipo de gaúcho fique tão somente preso ao passado e suas ideologias fracassadas e
que das páginas dos livros ou então dos versos entusiasmados ele não possa ter voz ativa, pois este gaúcho é justamente aquilo que o mundo repudia ou deveria repudiar, ele é o retrocesso. E, claro, que as nossas façanhas não sirvam de modelo a toda terra, uma vez que não sabemos quais façanhas seriam estas.

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