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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Texto da acadêmica Bruna Cristina Lampert para a disciplina "Literatura Sul-Rio-Grandense"

Segue mais um texto que faz a comparação entre as representações do "gaúcho". Um dos diferenciais deste trabalho, escrito pela acadêmica Bruna Cristina Lampert, é que parte de uma canção tradicionalista, intitulada "Desgarrados", que mostra o que chamamos de "gaúcho a pé".


      O poema “Na estância”, escrito por Múcio Scévola Lopes Teixeira, retrata a vida do gaúcho no campo,
apresentando um dia de sua rotina. Todo esse universo é descrito através de pequenas imagens, como o
encilhamento do cavalo, a mesa posta sem toalha (provavelmente, entalhada pelo próprio gaúcho) e o sempre presente chimarrão, elemento essencial ao homem do campo. Unidas, essas imagens formam um belo mosaico representativo da vida campeira. Ao longo de todo o texto, percebemos o modo de vida rústico, simples e minimalista. O que temos não é um lamento por essa condição, pelo contrário, é um canto de louvor à vida desprovida de luxo. O mosaico a que faço referência não é um retrato das agruras vividas pelo gaúcho, mas sim uma pintura pitoresca de sua rotina.
      Vemos, também, as paixões do gaúcho, entre elas a morena gentil que lhe aperta os dedos ao passar o mate amargo, a pesca noturna, as cantigas ao redor do fogo de chão e as historinhas contadas pelas pessoas mais velhas. Enfim, todas as pequenas alegrias que preenchem sua vida. São esses humildes prazeres que cativam o eu-lírico e que inibem o pensamento de uma vida distinta. A forte relação com o gado e o inseparável cavalo, daí a expressão “país dos centauros”, também está presente, desde o encilhamento até o mugido lúgubre da boiada solta pelos pampas.
    Outro fator constante é a culinária, com comida sempre farta e saborosa. Dadas as condições vividas pelo gaúcho da época, sabemos que não são mais do que elementos iconográficos, exaltando a suposta prosperidade do campesino sulista. Em verdade, a imagem passada pelo poema é aquela em que o eu-lírico
gostaria de viver. Todas as dificuldades da vida do interior são omitidas. O que nos é mostrado são os lados bons desse modo de viver. Impossibilitado de levar outra vida, o gaúcho procura em seu próprio rancho miserável razões para ser feliz. Enfim, temos no poema a visão interiorana de uma existência simplória, porém prazerosa. O gaúcho, no poema, não quer deixar o campo, pois é ali que se sente feliz. Separá-lo de sua terra é algo impensável, mesmo que sobreviver ali exija árduo trabalho.
    É sobre essa dolorosa separação e suas consequências a que a música “Desgarrados”, composta por Sérgio Napp e Mário Barbará Dorneles e premiada na décima primeira Califórnia da Canção Nativa, faz referência. A letra é um contraste entre a imagem icônica vista no poema e as dificuldades enfrentadas pelo gaúcho que deixou o interior para viver no caos urbano da capital. No começo da música, somos apresentados à realidade vivida pelo interiorano que largou o campo em busca de uma vida melhor, mais próspera, na cidade, mas que, ao desembarcar nela, não conseguiu trabalho e vive a
mendigar: “Eles se encontram no cais do porto pelas calçadas/ Fazem biscates pelos mercados, pelas esquinas,/ Carregam lixo, vendem revistas, juntam baganas/ E são pingentes das avenidas da capital”.
     O arrependimento pela mudança é bem visível em “faziam planos e nem sabiam que eram felizes”, ou seja, apesar de serem felizes no campo, a suposta facilidade da existência urbana os atraiu, trazendo a infelicidade.
    Depois, visões de um passado mais feliz, muito semelhantes ao relato expresso no poema, fazem o contraponto dessas duas realidades. Novamente, a comida farta (veja como a “carne gorda” aparece nos dois textos), a convivência com os amigos, o chimarrão, os causos contados ao lado da fogueira se fazem presentes, apresentando a mesma exaltação à vida campeira vista no poema.
      Por outro lado, enquanto o poema evidencia apenas aspectos positivos, a letra da música é mais melancólica e nostálgica, principalmente no trecho “mas o que foi, nunca mais será”, que deixa claro que o gaúcho já não é mais o mesmo, que nada será como antes, que todos os pequenos prazeres da vida simples já não passam de um saudoso passado, esquecido e levado pelo sopro do minuano.

Na estância
- De manhã cedo, quando o sol nem ousa
Correr a sombra que no campo dorme
- Saltar da cama, lançar mão do pala,
Lavar o rosto na lagoa enorme...
Depois, voltar ao rancho, ou ao sobrado,
- Tanto num como noutro há boa gente –
E na rede, suspensa de dois caibros,
Saborear um chimarrão - bem quente;
Ensilhar o cavalo, ir a galope,
Dar o bom-dia ao próximo vizinho
E assentados a uma mesa – sem toalha,
Um churrasco comer, bebendo vinho...
Dormir ao meio-dia um sono à sesta,
À sombra de uma árvore frondosa,
E despertar às vozes de moleque
Que anuncia a comida apetitosa;
Jantar feijão com xarque, carne gorda,
Costeletas de porco, arroz da terra;
E após a sobremesa de laranjas
Passear té sol posto pela serra;
Eis a vida que levam todo dia
Os robustos e sãos estancieiros:
Que se tem luxo é só na prataria
Com que arreiam os ágeis sarilheiros...
E a pescaria à noite? E as cantigas
De analfabeto, alegre menestrel,
Que improvisa bons versos – sem que saiba
Nem escrever seu nome no papel?...
E os olhados gentis das mulatinhas,
Que os dedos nos apertam ao dar o mate?
E depois – desfalece na viola,
Com saudades talvez d’algum mascate...
E os sorrisos ingênuos da morena,
A quem chamam Nenê ou Sinhasinha?...
E as façanhas dos moços caçadores?...
E as historinhas da trêmula velhinha?...
Eu gosto desta vida ignorada
Que passam na estância meus patrícios,
Longe das multidões – longe dos vícios;
Aos lúgubres mugidos da boiada...

Desgarrados
Eles se escondem pelos botecos entre cortiços
E pra esquecerem contam bravatas, velhas histórias
E então são tragos, muitos estragos, por toda a noite
Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho
Refrão
Sopram ventos desgarrados, carregados de saudade
Viram copos, viram mundos, mas o que foi nunca mais será
Cevavam mate, sorriso franco, palheiro aceso
Viraram brasas, contavam casos, polindo esporas,
Geada fria, café bem quente, muito alvoroço,
Arreios firmes e nos pescoços lenços vermelhos
Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno
O milho assado, a carne gorda, a cancha reta
Faziam planos e nem sabiam que eram felizes
Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho
Refrão
Sopram ventos desgarrados, carregados de saudade
Viram copos, viram mundos, mas o que foi nunca mais será
Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno
O milho assado, a carne gorda, a cancha reta
Faziam planos e nem sabiam que eram felizes
Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho
Refrão
Sopram ventos desgarrados, carregados de saudade
Viram copos, viram mundos, mas o que foi nunca mais será

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