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domingo, 7 de novembro de 2010

De vozes e de silêncios

Decorrido o pleito presidencial no país, expressão máxima da democracia, deparamo-nos, estarrecidos, com a tentativa de amordaçamento de um dos maiores escritores que o Brasil já teve. Conhecido pelas diversas polêmicas em que se envolveu no decorrer de sua vida, Monteiro Lobato, decorridos 63 anos de sua morte, conseguiu novamente: está no olho do furacão de mais uma – injusta e desnecessária – polêmica.  Desta feita, a acusação não é, de todo nova: outros pseudoleitores incautos já fizeram a infeliz delação: as obras de Monteiro Lobato conteriam conteúdos racistas. Na nova versão do equívoco, o foco da vez é a obra Caçadas de Pedrinho.
            Vamos, pois, situar os leitores de orelhas de livros. Monteiro Lobato, nasceu a 18 de abril de 1882, no seio de uma família de cafeicultores do Vale do Paraíba. Portanto, nasceu antes da abolição e viveu em um ambiente que guardava os resquícios escravocratas – como o próprio autor bem denunciou, por exemplo, em seu célebre conto “Negrinha”, no qual representa os sofrimentos de uma etnia desvalida, que não era salvaguardada sequer pela Igreja. Pois bem: se, na literatura voltada para o público adulto Lobato já se posicionava contra esse estado de coisas, não o fez diferente na sua obra infantil, em que projetou o seu ideal de nação. Se, no Sítio da democrata Dona Benta todos tinham voz – até espigas de milho, bonecas de trapos, porcos e burros falavam, essas vozes também não silenciavam o que estava acontecendo no país.
            Os insultos que a desbocada boneca Emília proferia a Tia Nastácia, sua criadora, eram devidamente admoestados por Dona Benta. Essas palavras, na verdade, expressavam o que, na época, ouvia-se escancaradamente nas ruas do país. Hoje, no entanto, como se fez justiça e racismo é considerado crime , essas vozes, infelizmente, ainda são ouvidas no subterrâneo das piadas de péssimo gosto. Mas, “brincando”, expressam o pensamento de grupos numerosos no país. E aí que reside o problema: ao não se admitir a existência dos preconceitos, não se abre espaço para a efetiva conscientização, o que pode fomentar ainda mais esse tipo de intolerância. E intolerância grassa nas sociedades pós-tudo em que vivemos – vejamos a recente descoberta de materiais neonazistas noticiada na semana passada.
            Há quem também acuse Lobato de racista por colocar uma branca, Dona Benta, na sala e uma negra, Tia Nastácia, na cozinha. Entretanto, se na época de produção dos textos de Lobato ele fizesse o contrário, estaria sendo hipócrita, porque isso não correspondia à realidade. Compartilharia da mesma hipocrisia daqueles que agora querem silenciá-lo, mais uma vez.
            Lobato, enfim, é um escritor bastante conhecido, tendo em vista a visibilidade que as sucessivas adaptações televisivas de suas obras sofreram, mas pouquíssimo lido. Quem sabe se as pessoas, antes de criticar sem fazer a devida leitura, espelhassem-se, pelo menos um pouco, na trajetória desse “brasileiro sob medida”, parafraseando o título de uma obra de Marisa Lajolo, esse país seria menos hipócrita, mais justo e mais – verdadeiramente – democrático.

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