As flutuações categoriais do adjetivo
Resumo
A Gramática tradicional
do nosso idioma, na maioria das vezes, trata das classes de palavras de forma
superficial, ou seja, sem fazer uma análise mais aprofundada, relacionando-as às
situações de fala ou ao contexto em que são utilizadas. Sendo assim, muitas
dessas palavras são consideradas, equivocadamente, como pertencentes a uma determinada
categoria, sem levar em conta esse funcionamento na sua classificação. Essas
situações são mais comuns do que imaginávamos, por isso servirão como tema deste
trabalho, onde trataremos, mais especificamente, da classe dos adjetivos e seus
possíveis sentidos, considerando sua multifuncionalidade de empregos na unidade
textual. Temos como objetivo principal lançar um outro olhar sobre a imagem
fechada das classes de palavras, apresentadas de forma tradicional, visando
observar a validade dessas unidades linguísticas do ponto de vista semântico,
buscando formas diferenciadas e significativas de trabalhar com essas categorias em sala de aula.
Palavras-chave:
Gramática. Adjetivo. Transposição. Linguagem. Docência.
Introdução
Este artigo irá se deter mais especificamente na classe
determinada pelas gramáticas tradicionais como adjetivo, apresentando as
possíveis flutuações categoriais exercidas por essa categoria.
Com base teórica nos estudos de
alguns autores selecionados, o trabalho mostrará que definir certas palavras
como adjetivo, sem fazer uma análise do entorno em que ela está sendo utilizada,
pode ser um equívoco.
Pretende-se, por meio deste artigo,
fazer uso de exemplos em que o adjetivo muda de categoria, os quais poderão ser
utilizados em sala de aula pelo professor de Língua Portuguesa, e, também,
relacionados ao dia a dia do aluno, visando, deste modo, um ensino mais
proveitoso em sala de aula e não tão metalinguístico.
Através das observações aqui
apresentadas, busca-se, também, ampliar a visão do docente dessa área para que
ele possa ver além dos padrões pré-estabelecidos pelas gramáticas escolares.
Deste modo, talvez, teremos um ambiente mais harmonioso em sala de aula, pois
essa nova visão não deve permanecer somente com o professor, mas ser dividida
com o aluno que, da mesma forma, poderá ampliar sua visão em relação à
aprendizagem das classes gramaticais.
1. A Gramática tradicional e seus
padrões
Muitas vezes, a gramática
tradicional apresenta aos estudantes dos níveis fundamental e médio, e até
mesmo aos estudiosos da língua nacional, as dez classes de palavras existentes
de uma forma supérflua, pois, simplesmente, mostra um “quadrinho” com essas dez
categorias gramaticais, dizendo que as seis primeiras classes são variáveis,
isto é, flexionam-se, em gênero, número e grau , enquanto que as quatro classes
seguintes são invariáveis.
Depois dessas classes serem expostas
ao leitor, começa a caracterização de cada uma delas. Essa caracterização é
feita, na maioria das gramáticas normativas, de um modo preciso, como se tal
classe de palavras fosse pré-definida somente por aqueles padrões ali expostos.
Todos nós sabemos que não é bem assim, porque já sofremos bastante com tais
classificações apresentadas por essas gramáticas na escola. Por isso, vamos,
neste trabalho, tentar romper com esse ensino metalinguístico e ampliar a visão
dos interessados no estudo das classes gramaticais, mais especificamente, neste
artigo, dos adjetivos e suas mudanças categoriais.
Algumas dessas gramáticas chegam a
tentar romper com os cânones da tradição, porém, muitas vezes, não conseguem
atingir esse objetivo. Podemos observar isso nas gramáticas mais antigas e
também naquelas que se dizem atuais. Analisando a “Novíssima Gramática da
Língua Portuguesa”, de Domingos Paschoal Cegalla (2000), é fácil constatar que
esse rompimento não acontece, pois o gramático traz o conhecido “quadro” das
dez classes gramaticais, apesar de fazer uma pequena observação sobre a mudança
de classes de algumas palavras. É o que podemos ver no trecho que segue:
A mesma palavra pode pertencer a
mais de uma classe. Como por exemplo: “O céu é azul (azul, adjetivo). O azul triste de seus olhos fascinava-me (azul, substantivo). Abel era um caipira corajoso (caipira, substantivo). Assisti a uma festa caipira (caipira,
adjetivo). (CEGALLA, 2000, p.127).
Logo em seguida, Cegalla passa a
falar dos substantivos, caracterizando-os e classificando-os de modo bem
tradicional. “Consideremos estes exemplos: ‘Aquele homem comprou um livro e
ganhou uma flor.’ ‘Na praia, a alegria era geral.’ As palavras são substantivos, ou seja, designam
seres.”(2000, p.128).
Mais adiante, ele faz uma ressalva sobre as palavras que
podem ser substantivadas. No entanto, ao observarmos os exemplos apresentados,
vemos que o responsável pela transposição de classe dessas palavras é o artigo que
lhes é anteposto, e não a palavra em si. Cegalla (2000, p.131) afirma:
Palavras de outras classes
gramaticais podem ser substantivadas. Para isso, antepõe-se-lhes o artigo: ‘O morrer pertence a Deus.’ (Raquel de
Queirós). ‘Até hoje a polícia não sabe o
porquê do sequestro – se vingança ou
extorsão.’ ‘Não deixo o certo pelo duvidoso.’(Graciliano Ramos)
Podemos perceber nesse trecho que é o artigo que determina a
classe substantiva da palavra.
Os cânones tradicionais são igualmente observados quando Cegalla
fala dos adjetivos, como podemos notar no seguinte trecho:
Consideremos estes exemplos: “O velho touro da fazenda saiu, arrogante.” (Raquel de Queirós). “Na
ponta do chalé brilhava um grande ovo
de louça azul.” (Cecília Meireles).
As palavras destacadas atribuem qualidades aos substantivos (touro, ovo,
louça): são, por isso, adjetivos. Estes,
são palavras que expressam as qualidades ou características dos seres.
(CEGALLA, 2000, p. 154)
Isso que vimos ocorre na maioria das gramáticas tradicionais
e até mesmo naquelas que dizem ir além desses conteúdos, preconizando uma
concepção moderna de estudo científico da língua. É o que aparece na “Gramática
Houaiss da língua portuguesa” (2010), que, apesar de ser mais descritiva,
obedece aos mesmos padrões tradicionais, quando se refere aos substantivos e
adjetivos:
A classe do substantivo reúne as
seguintes características principais: a) dá nome às parcelas de nosso
conhecimento representadas como seres; b) serve de núcleo às expressões
referenciais do texto; c) tem gênero próprio (masculino ou feminino) e varia em
número (singular ou plural); d) desempenha as funções sintáticas de sujeito e
de objeto direto. (AZEREDO, 2010, p. 155).
Sendo assim, fica evidente que alguns gramáticos até tentam
fugir dos paradigmas tradicionais, mas isso não chega a ocorrer durante toda a
classificação e caracterização das classes gramaticais tratadas como adjetivos
e substantivos.
2. O adjetivo e suas transposições
O linguista Mário Alberto Perini, em seu livro “Sofrendo a
Gramática” (1999), no texto “O Adjetivo e o Ornitorrinco”, fala dos dilemas da
classificação das palavras.
Professor aposentado, palestrante, um extraordinário
linguista, Perini é autor de diversos livros onde debate esses problemas de
classificação das categorias linguísticas, sendo um crítico da gramática
tradicional. Numa linguagem formal, porém simples e direta, o autor inicia o
capítulo falando da classificação dos animais no campo da zoologia, tudo para
deixar claro ao seu leitor que, mesmo no meio científico, existem dificuldades
quanto à classificação, sendo uma delas a do ornitorrinco, animal australiano
que possui características tanto de mamífero, quanto de réptil. Após evidenciar
isso, entra no campo da linguagem, comparando a classificação de palavras com a
das classes dos animais: “A linguística também tem seus ornitorrincos.” (PERINI,
1999, p.40).
O linguista não é contra a classificação de palavras, mas
afirma que, depois de vários anos estudando os “adjetivos” e “substantivos”,
percebeu que essas duas classes, embora tradicionalmente separadas, são
difíceis de distinguir e até mesmo impossível, pelo menos como duas classes
distintas, como fazem as gramáticas usuais. PERINI (1999, p.41) destaca:
Uma coisa que nos poderiam ter dito
na escola (mas, em geral, não disseram) é para que a gente precisa separar as
palavras em classes. Ora, a razão é semelhante à que nos obriga a separar os
animais em classes, ordens, espécies, etc.: classificamos as palavras para
podermos tratar delas com um mínimo de economia.
De forma muito inteligente, Perini lista palavras para
ilustrar seu raciocínio. Usando como exemplo as palavras João e paternal,
esclarece que João é nome de coisa
(pessoa), e paternal exprime apenas
qualidade; logo são substantivo e adjetivo, respectivamente. Porém ele
interroga: “Como classificar maternal?”
Essa palavra ora adjetivo (atitudes maternais), ora substantivo (Meu filho
ainda está no maternal) demonstra, segundo o autor, que a distinção entre essas
duas classes, tal como formulada nas gramáticas normativas, é inadequada. Como
podemos observar uma citação sua (1999, p.42):
Não podemos dar simplesmente a lista
dos adjetivos e a dos substantivos, porque, além de ser uma maneira
antieconômica de fazer as coisas, uma lista pode ser arbitrária, juntando alhos
e bugalhos sob o mesmo rótulo.
Conforme o linguista, se aceitarmos as definições
tradicionais, teremos, pelo menos, três classes: uma das palavras que só podem
ser nomes de coisas, outra das que só podem expressar qualidades e, finalmente,
a classe das palavras que podem ser as duas coisas.
Podemos utilizar outros critérios para diferenciar os substantivos,
de acordo com Perini, como, por exemplo, a palavra que aparece logo depois de
um artigo ou a que aceita aumentativo e diminutivo, mas, para o autor, o
resultado dessas aplicações discordam mais uma vez das classificações
tradicionais: “Assim verde, tradicionalmente um adjetivo, pode ocorrer depois
de artigo (O verde está na moda) e aceita diminutivo, mesmo quando exprime
qualidade (Um pé de alface verdinho). Perini (1999, p. 44) afirma ainda que “O
mínimo que podemos concluir é que a distinção entre substantivos e adjetivos,
tal como formulada nas gramáticas comuns, é inadequada.”
Para Perini, não existe distinção entre a classe dos
adjetivos e a dos substantivos, o que existe é uma grande classe (classe dos nominais), em que as
palavras variam de comportamento conforme o significado que exercem, e essa
flexibilidade segue estritamente a necessidade de comunicação. Sendo assim, um
“substantivo” pode virar um “adjetivo” ou vice-versa. Segundo ele, foi o que
aconteceu com a palavra cabeça, que até há pouco tempo só se usava como
nome de coisa. No entanto, um belo dia, alguém teve a ideia de usá-la para
designar uma pessoa ou coisa admirável de certo ponto de vista. A partir daí, a
palavra cabeça não só passou a ter
significado de “qualidade”, mas também passou a ser empregada em estruturas
tipicamente “adjetivas” (Ontem fui ver um filme cabeça).
Os argumentos apresentados pelo linguista são realmente
convincentes e nos levam a refletir sobre os padrões classificatórios adotados
pelas gramáticas. Ele enfatiza ainda que a palavra xícara continua sendo apenas nome de coisa, porque até hoje ninguém
teve a ideia de usá-la para exprimir uma qualidade.
2.1 Os críticos dos paradigmas
Assim como Perini, outros gramáticos
atuais criticam os padrões pré-estabelecidos pelas gramáticas normativas, Celso
Cunha e Lindley Cintra são dois deles. Em seu livro “Nova Gramática do
Português Contemporâneo” (1985), Cunha e Cintra não se preocupam só em examinar
a palavra em sua forma, mas também analisam e mostram que a classificação das
palavras está relacionada ao seu entorno, ou seja, dá-se de acordo com a função
sintática exercida por ela dentro da oração. CUNHA E CINTRA (1985; p. 239)
afirmam:
É muito estreita a relação entre o
substantivo (termo determinado) e o adjetivo (determinante). Não raro, há uma
única forma para as duas classes de palavras e, nesse caso, a distinção só
poderá ser feita na frase. Comparem-se, por exemplo: “Uma preta velha vendia laranjas” / “Uma velha preta vendia laranjas”. Na primeira oração, preta é substantivo, porque é a palavra
núcleo, caracterizada por velha, que,
por sua vez, é adjetivo na medida em que é a palavra caracterizadora do termo núcleo.
Na segunda oração, ao contrário, velha
é substantivo e preta adjetivo. Como
vemos, a subdivisão dos nomes portugueses em substantivos e adjetivos obedece a
um critério basicamente sintático, funcional.
Rodolfo Ilari, outro crítico dos
paradigmas tradicionais, em sua obra “Gramática do Português Falado” (2002; vol.
II), mostra que a flutuação categorial do adjetivo não ocorre só entre essa
classe e a classe dos substantivos, mas também entre os adjetivos e os advérbios.
Podemos observar este fato no seguinte trecho:
Tradicionalmente, as abordagens se
limitam à constatação de que advérbios são formados pela adição do sufixo -mente a adjetivos, com todas as
peculiaridades relativas à manutenção de características fonológicas da base,
flexão de feminino e ocorrência apenas no último item em caso de coordenação.
Entretanto, parece existir um outro processo de formação de advérbios em
português: a conversão, isto é, a mudança de classe adjetivo/advérbio sem
alteração na forma fonológica. Alguns casos de conversão adjetivo/advérbio são
bastante conhecidos, como os de: a)
João falou alto/baixo; b) João anda
rápido demais.
Desse modo, temos que concordar com
a conclusão de Perini (1999, p. 45), quando ele diz que “a classificação
tradicional, no que se refere aos substantivos e adjetivos, não tem salvação”,
pois uma palavra pode mudar seu comportamento gramatical de acordo com cada
nova função na oração.
3. A Linguagem da juventude em sala de aula
Todos nós sabemos que “português” não é a matéria preferida
da maioria dos jovens nas escolas. Pensando nisso, após analisarmos vários
exemplos de flutuação categorial do adjetivo para o substantivo, ou vice versa,
apresentados por diversos estudiosos da língua, resolvemos direcionar o
conteúdo deste artigo para o ambiente escolar.
Como pudemos avaliar até aqui, essa mudança de classe, que
certas palavras podem sofrer, está, nitidamente, ligada à fala, às escolhas e
às combinações que o falante faz ao pronunciar e até mesmo ao escrever uma
frase. Em uma notícia publicada pela revista “Língua Portuguesa” (2010) sobre
“palavras extraconjugais”, o jornalista Luiz Costa Pereira Junior fala a
respeito dessas combinações e afirma que Noam Chomsky entende que há restrições
à seleção combinatória, a fim de não se criar frases agramaticais, mas a
combinação é considerada livre quando respeita o sistema do idioma. Isso fica
evidente quando o jornalista diz:
Nada impede que, em vez de “ódio
mortal”, eu diga “ódio cego”. Haverá ligeira, mas concreta, mudança de
sentidos: uma expressão amplifica a intensidade do sentimento, a outra enfatiza
o efeito dele numa pessoa. Mas “ódio quadrado” lançaria “ódio” a outra zona de
significação, no mínimo confundente.(JUNIOR, 2010, p. 48)
Sendo assim, podemos perceber que há transgressões
permitidas e outras não. É, também, o que Perini (1999. p. 41) afirma:
Um falante aprende a reconhecer um
verbo, e é só os verbos que ele faz variar em pessoa e em tempo. Isso não é
coisa que se aprende na escola; faz parte do nosso conhecimento gramatical
implícito. Nenhum falante, mesmo analfabeto, tenta conjugar a palavra computador, ou a palavra sempre, ou a palavra e.
Relacionando isso às gramáticas
tradicionais, observamos que elas incluem na sua proposta de ensino da língua,
na maioria das vezes, somente a “classificação”, em que o estudante é convidado
a decorar uma lista de palavras, ou a aceitar que algumas delas são adjetivos,
e outras são substantivos. Isso ocorre sem que lhes seja mostrado que o que determina
a categoria gramatical de uma palavra ou expressão é, exatamente, essas
combinações que são feitas com outras palavras no eixo sintagmático.
As situações de fala, a enunciação,
devem ser trazidas para o ambiente escolar, porque, se observarmos a linguagem
em uso, veremos que nem sempre as palavras têm o sentido e o valor que lhes
atribuem as gramáticas e os manuais que pretendem ensinar a língua.
A linguagem é flexível, o que se
pode ver com os jovens, que a empregam de uma maneira muitas vezes criativa,
criando neologismos e modificando a sua classificação tradicional. Por que,
então, não direcionar essa linguagem à sala de aula, relacionando-a às
possíveis mudanças de classes de palavras. Dessa forma, poderíamos, talvez,
tornar o ambiente escolar e o “português” mais agradável para os nossos jovens.
A jornalista Brenda Fucuta (2010, p. 15), em sua entrevista na revista Língua
Portuguesa, diz:
O conteúdo é importante, mas desde
que embalado de um jeito funcional. E o jovem gosta de entretenimento aliado a
conteúdo. Se algo benfeito é bem embalado, o jovem tira de letra mesmo a
mensagem mais complexa.
Pensando nisso, buscamos exemplos
típicos da fala dos adolescentes, que podem ser utilizados para demonstrar a
flutuação categorial entre adjetivos e substantivos, lembrando sempre que não é
uma linguagem formal e nem para qualquer ambiente ou qualquer situação, mas que
pode, sim, dar ênfase e tornar mais “palpável” a aprendizagem do aluno.
Seguem, então, alguns exemplos de
gírias utilizadas na linguagem juvenil:
Substantivo
|
Adjetivação
|
Mocreia
|
Mulher
feia
|
Salsicha
|
Pessoa
metida à besta
|
Chinelão
|
Um
ser sem moral
|
Filé
|
Menina
bonita
|
Gatinha
(o)
|
Linda
(o)
|
Prego
|
Mané
ou otário
|
Pelada
|
Jogo
de futebol
|
Rato
|
Esperto
|
Animal
|
Muito
bom
|
Anta
|
Tonto
|
Mala
|
Pessoa
insuportável
|
Banana
|
Atrasado,
parado
|
Xarope
|
Chato
|
Chiclete
|
Pessoa
que pega no pé
|
Cachorro
|
Homem
mulherengo / mau caráter
|
Ao analisarmos essa linguagem,
veremos que as palavras da esquerda, ainda que gramaticalmente sejam vistas como
substantivos, funcionam como adjetivos, através de um processo de derivação
imprópria, em virtude das suas condições de emprego, tendo em vista os
propósitos de comunicação, e isso está diariamente acontecendo: Caderno será um substantivo até alguém
resolver utilizá-lo como adjetivo. (A “moda”, é claro, tem que pegar).
Antigamente “gatinho” era apenas um animalzinho pequeno (O gatinho da vizinha fugiu de casa). Hoje, “gatinho” tem outro
“sentido” e torna-se adjetivo facilmente (O menino mais gatinho da escola é aquele).
Mário Alberto Perini, em seu livro
“Sofrendo a gramática” (1999), traz outros exemplos neste sentido:
a. Uma palavra amiga (qualidade) b. Um amigo fiel (nome de coisa)
a. Uma menina magrela (qualidade) b. Essa
magrela (nome de coisa)
a. Um homem trabalhador (qualidade) b.
Os trabalhadores (nome de coisa)
a. O carro verde (qualidade) b. O verde está na moda (nome de coisa)
Como diz Perini: “O leitor poderá facilmente aumentar a
lista”.
Conclusão
A partir do que foi exposto acima, percebemos que a maneira como a
gramática tradicional classifica as palavras pode ser favorável no sentido
“econômico” da língua, para que possamos fazer nossas escolhas de forma mais
rápida, ao construirmos um enunciado, um discurso. Porém, precisamos sempre
levar em consideração que não há somente essa classificação a prióri, em que a palavra é isolada do
contexto e recebe um determinado “carimbo” (adjetivo, substantivo,
advérbio...).
A palavra, na verdade, numa
perspectiva puramente classificatória, despretensiosa quanto aos seus valores
semânticos e funcionais, pode ser avaliada isoladamente, como demonstram essas
gramáticas, mas, provavelmente, os ganhos serão bem maiores se ela for
relacionada a um contexto discursivo,
pois é analisando o seu entorno linguístico e discursivo que podemos notar que
esses padrões pré-estabelecidos não dão conta dos sentidos, os quais determinam
as categorias a que pertencem, conferindo, desse modo, uma visão mais
exata para as “classes gramaticais”.
De acordo com o jornalista Luiz
Costa Pereira Junior (2010, p.47,): “As palavras também vivem casos
extraconjugais. Para além do uso consagrado, sofrem efeitos dos relacionamentos
que mantêm com as outras palavras”. Portanto, parece ser um bom princípio de
análise, ao trabalhar com as palavras,
mostrar que elas, embora pertençam a uma determinada classe, têm “ o potencial
funcional” (Perini, 2006, p.140) de outra (s).
Por isso, é importante trazer esses
exemplos para a sala de aula, para que os alunos percebam que um substantivo,
por exemplo, por poder desempenhar mais de uma função, pode, por isso mesmo,
ter o potencial funcional de outras palavras, no caso, o de um adjetivo. Nessa
direção, o professor vai mais longe, saindo do ensino metalinguístico e levando
os alunos a refletirem sobre a língua, tornando, assim, o ambiente escolar mais
agradável.
Referências
AZEREDO,
José Carlos de. Gramática Houaiss da
língua portuguesa. 3ª ed. SP: Editora Publifolha, 2010.
CEGALLA,
Domingos Paschoal. Novíssima gramática
da língua portuguesa. 43ª ed. SP: Companhia Editorial Nacional, 2000.
CUNHA,
Celso e CINTRA, Lindley. Nova gramática
do português contemporâneo. 2ª ed. RJ: Nova Fronteira, 1985.
ILARI,
Rodolfo. Gramática do português falado
vol.II. 4ª ed. SP: Editora Unicamp, 2002.
PERINI,
Mário. Sofrendo a gramática. SP:
Ática, 1999.
FUCUTA,
Brenda. A Linguagem dos jovens. Revista Língua Portuguesa. SP. Nº 52.
Fevereiro, 2010.
JUNIOR,
Luiz Costa Pereira. Palavras Casadas.
Revista Língua Portuguesa. SP. Nº 56. Junho, 2010.
http://portuguesar.wordpress.com