Bem-vindos ao blog do curso de Letras da Faccat

Informação, interação e diálogo: são esses os motivos da criação deste blog. Aqui, os alunos de Letras da Faccat ficam informados dos últimos acontecimentos do curso: é um espaço para ver e ser visto!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Resenha escrita pelos acadêmicos Iago Möller e Vanessa Schneider - "Cartas Portuguesas" - Literatura Portuguesa I - Profª Luciane Raupp

As Cartas Portuguesas, de Mariana Alcoforado
Por Iago Möller e Vanessa Schneider

            Uma obra bem explorada não vem de mera minuciosa leitura. Aliás, uso aqui a palavra “explorar” de forma proposital e bem intencionada, já que uma obra nunca é escrita na inexistência da vida, da terra e do tempo: para conhecer uma obra com verdadeira profundidade, é preciso conhecer as mãos e a o lugar de onde ela vem. Com “Cartas Portuguesas”, supostamente escritas por Mariana Alcoforado durante o século XVII, não poderia ser diferente.
            Talvez o uso de “supostamente” soe ousado, mas é o que teorizam especialistas: que a freira que narra a história, apesar de realmente ter existido entre 1640 e 1723 e vivido em algum convento português, jamais tenha escrito tais cartas. Em contrapartida, as entrelinhas de tal romance epistolar nos dão um interessante retrato da sociedade portuguesa da época.
            Em resumo, as cinco cartas narram, da perspectiva da freira, o romance exacerbado vivido com um oficial francês, Noel Bouton de Chamilly. Bem, talvez não seja correto colocá-los em um mesmo plano, pois as cartas partem exatamente da distância entre os sentimentos dos dois. Enquanto Mariana vive e sofre de forma intensa tal amor, o oficial não possui sentimentos recíprocos, confessando inclusive possuir uma amante na França em uma de suas respostas. A partir disso, Mariana persegue os sentimentos que a aflingem. Como ela esclarece em uma das cartas, apesar de em certos momentos arrepender-se de seu amor, se diz mais feliz tendo provado desse sentimento do que se jamais o tivesse gozado. O que segue são hipérboles, repetições, contradições e sentimentos afins que vão sendo trabalhados pelo tempo, até o momento em que na quinta e última carta ela dá seu adeus ao amado, tornando explícito o desprezo que passa a sentir pelo mesmo e por si, por tanta ingenuidade em lidar com os seus sentimentos.
Note: é curioso o fato de que, como pouco acontece na história, um nobre e militar tornou-se coadjuvante na história de uma freira. Mais curioso ainda se percebemos que as histórias de guerra de um homem não se tornaram mais importantes que as hipérboles e contradições de uma mulher apaixonada.
Por falar em hipérboles e contradições, ficam claras as características da Escola Barroca Portuguesa na obra. A mais marcante é o constante duelo entre a razão e a emoção. Nessa luta, Mariana se desespera, se contradiz, se confunde. O duelo aqui não é apenas entre a mente e o coração, mas sobre as coisas que vem de seu interior e a cultura a qual estava submetida. Seguindo essa linha de pensamento, é correto também dizer que há duas Marianas presentes no texto: a Mariana freira e, principalmente, a Mariana mulher.
E aí, quando falamos nessa separação das duas Marianas, caímos novamente no papel que a mulher exercia (ou que era obrigada ou educada a exercer) na sociedade da época. Monica Rector, em sua obra “Mulher: objeto e sujeito da Literatura Portuguesa”, defende que a “através dos séculos, a mulher tem sido calada e representada sob a ótica masculina. Essas representações, além de não coincidirem com aquilo que é vivido e sentido pelas mulheres, apontam para um dualismo entre homens e mulheres, cabendo ao feminino os conteúdos ligados à irracionalidade; ao masculino, os que tangem a racionalidade”. Isso nos leva a pensar que a possibilidade das cartas nunca terem sido escritas por Mariana, mas sim pelo escritor francês Gabriel de Guilleragues, não é assim tão absurda uma vez que os papéis de ambos eram bem distintos na sociedade.

Ela diz também que a mulher ideal, pregada pela sociedade sob forte influência dos costumes cristãos (já que Portugal sempre foi um país extremamente católico), acaba por se tornar uma “mulher-deusa”, uma conduta exemplar, uma vida livre de “pecados”... Os destinos para toda e qualquer mulher eram sempre os mesmos: ou a moça casava-se ou virava freira. Na fuga deste padrão, as mulheres desviantes recorriam à prostituição. Tal imagem era tão forte que vários estudiosos garantem em seus estudos que os diários e relatos da época não podem nem mesmo ser usados como “verdades” ou retratos da real vida daquelas mulheres, mas sim do perfil e do estilo de vida que elas deveriam levar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário