Autobiografia
Nasci, ponto. E incomodei, ponto. Desde
quando era a semente na barriga da mãe. Eu chutei, eu bati, eu fiz o diabo a
quatro. E o pior é que a mãe gostava. E o pior, ainda, é que a mãe queria
aquilo. Aquela coisa. Além da mãe, o pai e o mano também queriam.
O mano, inclusive, escolheu o nome. E disse
que ia nascer a Joaninha. E foi. E sou!
Sou a Joaninha, a prendinha da casa, a
“querinha” do vô.
Chovia, aliás, chovia muito, torrencialmente
naquele 08 de agosto de 1989. Lá no São Francisco, todo mundo já nasce tomando
chimarrão, comendo pinhão e com os pés na geada, levando no sangue a tradição e
o orgulho de ser daqui.
Depois que eu nasci, vim embora pra Capital
Nacional do Tênis, bem, era naquela época. E eu vivi tanta coisa, mas eu nunca
deixei de ser mais da serra do que daqui.
Eu brinquei muito, embora não tivesse muitas
outras crianças para brincar, tinha o meu irmão, o companheiro inseparável das
brincadeiras de carrinho e de espadas na rua. Brincávamos também de “cybercops
do futuro” e, hoje, vejo que eu podia ter brincando muito mais do que brinquei
se eu soubesse que ia sentir tanta saudade.
Éramos só nós dois, e ainda somos só nós
dois, cúmplices das brincadeiras mais divertidas do mundo.
Mas o meu mundo não foi só de brincadeiras.
Eu fui muito querida por todos da casa e, embora eu não tivesse tudo que eu
queria, eu queria tudo que eu tinha. Clichê, eu sei, mas foi assim. Lá na
serra, nós tínhamos e ainda temos e tenho, muito, o carinho do resto da
família. De um avô que se desdobrou como pôde para suprir tudo o que nós
precisávamos e para mimar-nos como nossos pais nunca deixariam que fôssemos
mimados. Função oficial dos avós, mimar os netos sem a ordem dos pais.
E foi
tão bom. Nós tínhamos uma barragem dentro de um pequeno riozinho. E aquela
barragem era a nossa diversão por dias inteiros. Uma construção feita por nós
mesmos com pedras de cascalho e barro. Engenharia e física quântica puras.
Depois da infância que foi repleta de faz-de-contas
e que eu desejo todos os dias que retorne, veio a aborrecência e,
consequentemente, a adolescência, na qual eu tinha razão de tudo e pouquíssimas
vezes escutava o que os outros dizia.
Mas eu nunca fui rebelde, nunca quis fugir
de nada, nunca quis matar alguém, só queria fazer as coisas por mim mesma. Ser
autônoma nas decisões, investir em mim.
Como toda menina, eu quis sair com as amigas
quando a mãe não deixou, e isso acontecia muito frequentemente; eu quis ir em
algum show, e ela também não deixou; quis namorar todos os atores de filmes
para adolescentes que via, tive o primeiro beijo, frustrado, é claro, mas tive.
Eu tive sonhos intermináveis com amigos com quem queria casar, eu tive tudo
isso. Eu tive brigas infindáveis com meus pais e jurei milhares de vezes que
nunca mais iria falar com eles pelo resto da vida. Tais juras duravam, no
máximo, dois dias, porque eu sempre precisava perguntar algo pra mãe e acabava
tendo que falar com ela.
Houve coisas que eu nunca quis ou fiz. Eu
nunca quis ser modelo, eu nunca quis uma viagem para a Disney, eu nunca quis ir
a um show de Sandy e Junior, eu nunca fiz festa de quinze anos, eu nunca fiz
uma viagem ao Beto Carreiro e eu nunca fiz pouco caso das coisas que me eram oferecidas.
Em contrapartida, houve coisas que eu fiz e
fui. Eu fiz uma tatuagem e só depois contei para minha mãe, eu fiz um corte de
cabelo milimetricamente curto, em comparação ao cabelo que tinha, eu fiz cursos
de dança, andei e ando a cavalo, brinquei e brinco com os meus animais que eu
trato como filhos. E eu não me envergonho de tratá-los como meus filhos. Pois
eles são. Estão comigo, então é minha obrigação cuidá-los e alimentá-los, além
de dar carinho e proteção. Eles precisam de mim para isso. Assim como meus
filhos vão precisar um dia, sim, porque eu ainda sonho com o casamento de
contos de fadas, e confesso que eu amo sonhar com isso, embora eu não tenha nem
o príncipe ainda.
Eu aprendi todas as modalidades artesanais
que uma prenda deve saber e adoro colocar em prática o que eu aprendi. Fiz
muita bagunça e muita estripulia, e ainda faço, e eu sempre fui uma ótima
aluna.
Sempre tive que estudar muito, pois aqui em
casa não se admitia, nem se admite que haja falta de estudo e, por incrível que
pareça, eu aprendi a gostar dessa coisa de estudar, de ter compromissos, de se
dedicar e foi assim que eu comecei a trabalhar. Tinha 16 anos. Um dia depois de
completar 16 anos. E aí me apaixonei pelo meu trabalho, que exerço até hoje,
com muita dedicação e espírito de alegria.
Apesar de ter começado a trabalhar e de ter
que arcar com muitas responsabilidades, eu ainda brinquei com os meus bichos,
eu ainda namorei muito, eu ainda chorei muito, e eu ainda me dediquei muito. E
eu ainda faço assim.
Aprendi muito pequena que, no final das
contas, o que importa é o que a gente conseguiu realizar e o que passou, passou
e não volta. Talvez a gente tenha uma outra oportunidade, mas ainda, assim, o
que passou, passou. Então só interessa aproveitar ao máximo o que der para
aproveitar.
Hoje em dia, não tenho mais tanto tempo para
brincar ou para sentir saudade do tempo de criança, mas eu arranjo tempo para
viver ao lado de quem eu gosto; arranjo tempo para ler todos os livros que eu
quero; arranjo tempo para fazer crochê ou para fazer um bolo. Hoje em dia, eu
tenho mais tarefas do que horas no meu dia, mas confesso que eu gosto, porque
se tenho tudo isso, significa que tudo valeu a pena. Significa que valeu a pena
não dormir por estudar e por ter tarefas para realizar, significa que valeu a
pena não conversar com meus pais e refletir que talvez eu houvesse mesmo feito
besteira, significa que valeu a pena sempre ter sido eu mesma, em todas as
situações, ainda que isto tenha me feito sofrer, algumas vezes, mas me fez ser
quem eu sou hoje.
Fui criança, fui adolescente, tive
problemas, tive crises existenciais, tive dificuldades, tive e tenho um amor
eterno pela minha tradição e por tudo o que ela cultua, desde andar de
bombachas e alpargatas até fazer o que qualquer homem faz na lida do campo;
tive amores impossíveis; amigas falsas e aquelas verdadeiras que estão comigo
até hoje; tive pessoas que partiram antes da hora e que eu desejo que nunca
tivessem partido, tive e tenho pessoas de que eu não gosto muito, mas eu tenho
e tive o mais importante, o amor de pessoas que ficaram ao meu lado sempre e
que torceram e torcem por mim, assim como eu torço por elas. Nunca fui
diferente de nenhum outro ser humano, mas sempre fui especial para quem é
especial para mim.
E
é isso Tchê!!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário