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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Texto da acadêmica Bruna Cristina Lampert, escrito na disciplina Literatura Portuguesa I neste semestre

CARTAS PORTUGUESAS: A INCONSTÂNCIA DO SENTIMENTO
Bruna Cristina Lampert1
[...] gosto bem mais de ser desgraçada amando-te do que gostaria de nunca te ter visto!
Mariana Alcoforado
     Na compilação das “Cartas Portuguesas”, remetidas por sóror Mariana Alcoforado, nota-se a intensa utilização de figuras de linguagem, principalmente, as hipérboles, que primam pelo exagero e o engrandecimento da ideia; e os paradoxos, que consistem no emprego de pensamentos opostos.
     A arte hiperbólica, característica do período literário denominado Barroco, está presente na descrição dos sentimentos que contribuem para a perda da razão e dos sentidos: “Eu não sei nem o que sou, nem o que faço, nem o que desejo: encontro-me dilacerada por mil movimentos contrários. Poder-se-á imaginar estado tão deplorável?” (ALCOFORADO, 2010, p. 35).
     A utilização de paradoxos denuncia a inconstância dos sentimentos e pensamentos de Mariana: “[...] olho sem cessar o teu retrato, que me é mil vezes mais caro do que a vida. É ele que me dá alguma alegria; mas provoca-me também um grande sofrimento, quando penso que talvez nunca mais te volte a ver.” (p. 29) Nessa citação, nota-se que, ao mesmo tempo, a imagem do amado provoca sentimentos bons e ruins, felicidade e sofrimento.
     As cartas tornam-se contraditórias porque assim são as próprias emoções. Na segunda correspondência, Mariana suplica: “Tem compaixão de mim” (p. 29) e, mais adiante, já na terceira carta, desmente o que disse anteriormente: “Não sei por que te escrevo. Bem vejo que nada mais terás por mim do que compaixão – e essa não a quero!” (p. 36)
     Massaud Moisés descreve a dualidade existente na obra: 
        [...] de um lado, o anseio de esquecer definitivamente o perjuro, dado não merecer mais que desprezo e indiferença – é o aspecto racional; de outro, a súplica que nasce do mais fundo de si própria, visceral, para que ele volte ou ao menos escreva, a fim de permanecerem os tormentos agridoces provocados por sua lembrança ao mesmo tempo desejada e odiada – é o aspecto sentimental, carnal. (2001, p. 90) 
     Douglas Tufano explica que a arte barroca compreende atitudes contraditórias do artista em face do mundo, da vida, dos sentimentos e de si mesmo (1990, p. 213). Na obra, essas contradições são demonstradas através da razão versus a emoção, no que diz respeito à experiência amorosa de uma freira enclausurada, ação totalmente contrária aos princípios da Igreja e da sociedade portuguesa, por consequência. Outro dualismo é o amor versus a dor, já que, durante a permanência do Marquês de Chamilly em Portugal, Mariana viveu intensamente sua paixão e, após a partida do oficial, a religiosa entregou-se ao sofrimento e, por diversas vezes, preferiu a morte à dor.
     O ato de escrever é, como a própria emissora admite, uma forma de ter o amado mais próximo: “Parece-me que te estou a falar quando te escrevo e que tu me estás um pouco mais presente.” (2010, p. 54) e encontrar conforto: “Eu escrevo mais para mim do que para ti, e aquilo que procuro é consolar-me.” (p. 56)
     Em “Mulher: objecto e sujeito da Literatura Portuguesa”, de Monica Rector, lê-se: “[...] a maioria das mulheres até o presente século foram representadas (sic) como seres humanos passivos, manipulados pela vontade do homem; seu destino era a loucura, a morte ou o hábito religioso. A única saída ‘feliz’ era o casamento.” (1999, p. 15)
     Primeiramente, Mariana dedicou sua vida à religião e, mais tarde, à paixão não-correspondida, que desencadeou grandes sofrimentos pela ausência, indiferença e ingratidão do marquês. A religiosa reconhece que se desviou do comportamento esperado pela sociedade patriarcal, entretanto, não demonstra arrependimento:  
        Enfureço-me contra mim própria quando penso em tudo quanto ter sacrifiquei: perdi a minha reputação, expus-me ao furor dos meus parentes, à severidade das leis deste país contra as religiosas e à tua ingratidão, que me parece maior de todas as desgraças.
        No entanto, sei bem que os meus remorsos não são verdadeiros e que, do fundo do coração, desejaria ter corrido por ti perigos ainda maiores. (2010, p. 36-37)  
     O conteúdo das cartas é um misto de paixão, raiva, saudade e submissão. Apesar de perceber que Chamilly não continuou se correspondendo com ela propositadamente, Alcoforado não consegue desejar-lhe mal ou que sinta o mesmo que ela e, quando o faz, pede perdão por seus pensamentos ou imagina que a realização da desgraça poderia trazer-lhe ainda mais sofrimento: 
        Amo-te perdidamente e respeito-te o bastante para não ousar talvez desejar que sejas atingido pelos mesmos arrebatamentos. Matar-me-ia, ou morreria de dor sem me matar, se soubesse que não tinhas descanso, que na tua vida mais não há que perturbação e agitação de toda a sorte, que choras sem cessar e que tudo te desgosta. Se já não posso remediar os meus males, como poderia suportar a dor que me dariam os teus e que me seriam mil vezes mais dolorosos? (p. 36) 
     Na última carta, a emissora despede-se do marquês e ordena que não a contate nunca mais, pois deseja esquecê-lo. Essa decisão, no entanto, não diminui sua coita, pelo contrário: “Estou convencida de que teria experimentado sensações menos desagradáveis amando-o, ingrato, embora, como é, do que deixando-o para sempre.” (p. 61)
     Ao longo das cartas, nota-se reiteradamente, pelo uso de interjeições ou de adjetivos (“Ai de mim”, “A sua pobre Mariana”, “Infeliz que sou”), o sentimento de autopiedade. Esse recurso tem a intenção de comover o destinatário, entretanto, não é o que ocorre na obra em questão, uma vez que o marquês permanece indiferente ao sofrimento de Mariana.
     Apesar de integrar outro período literário, “Cartas Portuguesas”  apresenta resquícios do Trovadorismo. A intenção e o conteúdo das cantigas de amigo e de amor são facilmente identificáveis, uma vez que as primeiras são caracterizadas pelo eu-lírico feminino, lamento pela ausência do “amigo” (distanciamento geográfico), linguagem simples e repetição vocabular e as cantigas de amor expressam sentimentos mais intensos, embora idealizados.
     Assim como as cantigas de amigo, especula-se que as cartas possam ter sido (re)escritas por um homem, maquiando a intensidade e a veracidade dos sentimentos femininos e reforçando a submissão de Mariana ao Marquês de Chamilly. 

REFERÊNCIAS
ALCOFORADO, Mariana. Cartas Portuguesas. Porto Alegre: L&PM, 2010.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 31. ed. São Paulo: Cultrix, 2001.
RECTOR, Monica. Mulher: objecto e sujeito da Literatura Portuguesa.
TUFANO, Douglas. Estudos de Língua e Literatura. 4. ed. São Paulo: Moderna, 1990.

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